26 maio 2008

Brighton Beach, from O Modernista

"Margate, em 1964 foi o pior. As celas encheram. Só haviam 7 polícias em Margate e uma Black Maria (ndr: Ramona) – Mas haviam cerca de 4.000 mods e 500 rockers!" Phil Bradley, in "A Living Memory"

Páscoa de 1964. Entre Abril e Agosto… Mods vs Rockers… uma só guerra, várias batalhas! Capa de jornal, objecto de acompanhamento mediático nos dias e anos seguintes. Episódio de culto para todas as gerações posteriores, muito por mérito da ficção dos The Who em Quadrophenia.

Os primeiro confrontos, em Clacton, datam de 30 de Março, mas é em Maio que o fenómeno atinge o pique! Os relatos da época são unânimes quanto à escassez de meios policiais destacados para o local. Surpreendida pela quantidade de gente que duma assentada chegou para o fim-de-semana grande… os efectivos destacados não eram suficientes para tanta gente… Nos seguintes, já não foi bem assim… Que algo se passou naquela Páscoa de 64 não há dúvidas! Mas terá sido assim tão premeditado como se diz, ou tão eloquente como se faz crer... Agora que passam 44 anos sobre o episódio, e que se começa a falar de mods e cultura modernista por cá chegou a altura… Brighton: mito ou realidade? Guerra de rua ou sensacionalismo mediático? Investigou-se o assunto, e encontrou-se referências e depoimentos de intervenientes dos 2 lados, capas de jonais, fotos, etc...

Sobre os confrontos de Clacton, Richard Barnes apresenta o cenário como um Sábado à tarde fora da época balnear, curiosamente na Páscoa mais fria desde 1884! Como tal, e ainda que fosse um Bank Holiday, muito era o comércio sazonal que se encontrava fechado. Haviam os pubs e pouco mais, e mesmo estes fecharam a seguir ao almoço! A cidade estava cheia de gente e não haviam outras atracções que não a praia, o pontão, e no final deste, o Aquário. Resultado: filas a perder de vista!

Em 64, os mods eram já um fenómeno generalizado. Existiam grupos de mods - que para quem estivesse por dentro podiam ser identificados pelas cores dos fatos - e rivalidades entre eles… e havia muitos que preferiam trocar a escola gentleman pelos nervos à flor da pele.

Além disso, enquanto os mods eram eminentemente urbanos, os rockers preferiam as localidades costeiras. Alfredo Marcantonio, mod presente num dos confrontos e hoje uma figura britânica no meio da publicidade, disse que: “Todos os rockers, imaginavas tu, sonhavam em trabalhar nos carrinhos de choque, a ouvir o Del Shannon. Por isso quando nós aparecemos de scooter, foi como pedir sarilhos. Mas a maioria dos mods nem sequer pensaram em ir direitos à costa para arranjar confusão. Os mods preocupam-se com as suas roupas, com perderem botões, com ficarem amarrotados ou estragarem a roupa para que pouparam dinheiro!”


Em Mods, Richard Barnes recolheu o depoimento de 2 intervenientes em Clacton que descrevem o início da confusão… sem paciência para a fila, uns começaram a emaranhar pelos pilares do pontão, outros a tentar furar a fila… e foi entre os mods que estalou a “bronca”….

Com os atropelos na fila e as discussões no pontão não tardou a que a polícia interviesse energeticamente para dispersar a multidão… e realmente a multidão dispersou! Desatou a correr sem direcção, espalhou-se pela cidade. Assustada, foi-se enfiando onde podia com receio do que parecia vir aí. É então que os locais - entre eles os rockers - reagem mal – e os confrontos se espalham pelos pubs, pela praia e pelas ruas! Mas segundo intervenientes nos acontecimentos, entre isso e o que se fez do que se passou, primeiro nos media em tempo real e depois na Quadrophenia vai uma grande distância.

Alguns protagonistas dos acontecimentos emprestaram os seus depoimentos ao docomentário “A Living Memory” da BBC.

Entre os mods, David Cooke, residente em Brighton e figura acreditada na história do movimento mod, diz que “há fotografias famosas de Brighton em que os fotógrafos pagaram qualquer coisa à rapaziada… e há algumas pessoas que sabem disso!” e Howard Baker, hoje figura do mundo da publicidade no Reino Unido, confirma a história e diz que “Repórteres e fotógrafos pagavam entre 5 a 10 libras para o pessoal encenar a cena violenta. E havia quem aceitasse!”.

Do lado dos rockers, Phil Bradley diz que os media fizeram dos acontecimentos uma coisa muito pior do que aquilo que foi. “A imprensa empolou a história. Houveram incidentes isolados, não houve batalhas como a da Quadrophenia.”

Onde todos concordam 44 anos depois é que houve violência, mas não houve armas!

“…Haviam cadeiras pelo ar, mas não haviam armas como há hoje! E ninguém foi a correr atrás de velhotas…” Phil Bradley, rocker, in Living Memory (BBC)

“Houve violência, foi feio, mas não houveram armas” Howard Baker mod, in Living Memory

Mas nos jornais, a história era diferente. Os mods, ontem vanguarda urbana, desinteressada pela rotina da vida comum, espartanos e obcecados com o estilo, adeptos de uma boa festa passaram a ser os maiores arruaceiros do Reino Unido, que saiam das suas cidades ao fim-de-semana para arranjar problemas. Pior, depois dos confrontos de Clacton, passaram a premeditar tumultos e semanas depois já devastavam Margate, e mais tarde Hastings.

Foi assim que escreveram os recém iniciados tablóides. A 30 de Março o Daily Mirror abre as hostilidades com “Gangs de scooters destroem Clacton: SELVAGENS INVADEM A COSTA – 97 DETENÇÕES”, mas é em Maio que a coisa aquece nas redacções dos jornais... Na 2ª feira, 18 a capa do Daily Mirror é “Depois de Clacton: 40 PRESOS DURANTE O DIA NOS CONFRONTOS DE MARGATE” … No dia seguinte as capas sucederam-se… No Daily Mirror “VIVER P’RÓS PONTAPÉS”, no Daily Sketch “Esfaqueamentos, apedrejamentos, batalhas de cadeiras enquanto os tumultos atingem novo pique: OS MAIS VIOLENTOS ATÉ AGORA”, no Daily Express “SAWDUST CAESERS”. Em Agosto o Daily Mirror (sempre no Daily Mirror!!) volta a fazer capa dos confrontos entre mods e rockers com “Batalha de Hastings, 18 presos: POLÍCIA DE CHOQUE VOA PARA A COSTA”! (3 Agosto ).



As fotografias mostravam de tudo… raparigas “engalfinhadas”, detenções em grupo, gente a ser arrastada por polícias, e a “virar-se” a estes, gente a saltar do paredão para a praia e multidões a correr pela praia arrastando tudo o que estava à frente… No Evening Argus escreve-se “A BATALHA DE BRIGHTON” e mais abaixo “Dois esfaqueados nas escaramuças de Margate”

Nos entretantos, e para o assunto não esmorecer, os artigos de conveniência que antes se debruçavam sobre o guarda-roupa e os cortes de cabelo, etc. passaram a dar lugar a entrevistas de rapazes e raparigas que, consciente ou inconscientemente, alimentavam um circo mediático contra si próprios. Uma rapariga de 17 anos entrevistada para o Magazine Mirror não perdeu tempo em pôr os pontos nos ís com frases como “Tens de ser mod ou rocker para significares alguma coisa”, “os mods gostam de ser vistos… e andar à porrada é uma maneira de chamar a atenção”, “Os mods querem-se ver livres dos rockers. Os rockers podem deixar o país”. Depoimentos destes são dinheiro em caixa para os recém-iniciados tablóides!

Entre as vagas de distúrbios nas cidades costeiras, a ideia dos Bank Hollidays passou a ser foco de preocupação generalizada e a questão que se colocava era: Vai acontecer outra vez. Mas depois de Clacton, onde?! A resposta veio em Maio… Clacton estava de sobre-aviso, mas as localidades escolhidas foram Brighton, Margate e Bornemouth. Pessoas de férias e repórteres concentraram-se à espera do que ia acontecer, afinal era mais barato que ir ao circo… e isso não ajudou nada ao que se viria a suceder. Demasiadas detenções, muitas vezes baseadas em suposições e não em factos. Nos tribunais as sentenças eram lidas e acompanhadas de adjectivos como bandos de ratos, vermes entre outros… e claro que os jornais voltaram a deliciar-se com o banquete! Mas não por muito mais tempo...

...Os bank hollidays perderam o encanto e a cena mod original esmoreceu… Passou-se à 2ª vaga…Swinging London, Beat, a vertiginosa ascenção dos Beatles e dos Rolling Stones entre outros.

”As rádios tocavam o que as pessoas queriam ouvir, as lojas vendiam o que o pessoal queria comprar…Dançava-se menos e falava-se sobre Amor!... E se desligasses o cérebro e te deixasses ir com a corrente também já não te aptecia dançar” Richard Barnes, in Mods


publicado originalmente n'O Modernista, por José Mourinho.

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